Acórdão critica irresponsabilidade de rebater manifestações com repressão

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Fonte: Blog Sem Juízo 

A decisão em questão negou efeito ativo ao agravo de instrumento tirado pela PGE-SP contra a decisão de primeira instância que suspendia a reintegração de posse das escolas de São Paulo, ocupadas por seus estudantes.

Segundo os desembargadores componentes da 7ª Câmara, no acórdão relatado pelo desembargador Coimbra Schmidt, não se anteviu intenção de posse ou turbação, mas, antes, “expressões de desobediência civil frente à autêntica violência cívica de que se consideram vítimas os manifestantes”. Isto porque, prossegue o aresto, o “ato contra o qual se rebelam os estudantes (não apenas eles) pode ter pecado por não ter sido previamente submetido à discussão da comunidade, como preconiza o preceito contido no art. 14 da Lei nº 9.394, de 1996, segundo o qual há de ser democrática a gestão do ensino público na educação básica”.

Na declaração do voto vencedor, do desembargador revisor Magalhães Coelho, afirma-se, ainda, que “A questão é que essa política pública específica que envolve milhares de alunos, professores e pais seja implementada sem o menor respeito à gestão democrática da educação, comando constitucional específico (art. 206, VI, da C.F.).”

O revisor finaliza: “Aliás, é preciso ter a coragem de se dizer que o ajuizamento dessa ação, além de sua evidente impropriedade técnica, constitui-se verdadeira irresponsabilidade e irracionalidade, porque não se resolve com repressão um legítimo movimento de professores e alunos, adolescentes na sua expressiva maioria, a merecer a proteção do Estado (art. 205 e 227 da C.F.).

O julgamento contou, ainda, com o voto do presidente da Câmara, desembargador Eduardo Gouveia.

AGRAVO DE INSTRUMENTO nº 2243232-25.2015.8.26.0000 SÃO PAULO

Agravante: FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Agravada: APEOESP SINDICATO DOS PROFESSORES DO ENSINO OFICIAL DO ESTADO DE SÃO PAULO

Processo nº 1045195-07.2015.8.26.0053

  1. Juiz de Direito: Dr. Luís Felipe Ferrari Bedendi

AGRAVO DE INSTRUMENTO.

Alegada invasão de prédios escolares. Pretensão à emissão de ordem liminar de reintegração de posse. Inadmissibilidade, por não se ver claramente presente a intenção de despojar o Estado da posse, mas, antes, atos de desobediência civil praticados no bojo de reestruturação do ensino oficial do Estado objetivando discussão da matéria. Antecipação de tutela recursal denegada, processando-se o recurso.

Agravo de instrumento tirado pelo réu da decisão reproduzida a f. 201/10, que, em ação de interdito proibitório, revogou as decisões autorizantes da reintegração da posse dos prédios que sediam as escolas estaduais Fernão Dias Paes e Presidente Salvador Allende Gossens.

Argumentando não apenas com a lobrigada ilegalidade da situação como, também, com os prejuízos que as ocupações estão a trazer ao desenvolvimento das atividades docentes e o próprio efeito multiplicador que a decisão vergastada provocou, pede restauração das ordens anteriores, com extensão a todas as escolas públicas da Capital. Pede, outrossim, que tal se dê mediante antecipação da tutela recursal.

É o relatório.

A uma primeira leitura, os movimentos que, pela ocupação, buscam a abertura de diálogo com o Estado objetivando revisão da reestruturação da rede oficial de ensino podem estar apartados dos parâmetros do art. 5º, XVI, da CR, que aponta como não absoluto o direito de reunião (e, por consequência, de manifestação). Norma esta que está em conformidade com os arts. 19 e, notadamente, 21 do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, adotado pela Resolução nº 2200 A (XXI) da Assembléia Geral da ONU, de 16 de dezembro de 1966 e em vigor desde 23 de março de 1976.

Não discutirei o que possa estimular o movimento, endossando ou não a crítica feita por José Fucs em seu blog sob o título O que está por trás da ocupação das escolas em SP(1) . Minha inclinação, aliás e isso ficou bem claro no Agravo de Instrumento nº 2241417-90.2015.8.26.0000 era prestigiar a decisão revista por aquela que constitui objeto específico deste recurso.

Ao despachar pertinentes manifestações da Defensoria Pública e do Ministério Público, concluiu o MM. Juiz a quo, de forma percuciente, que as ocupações – realizadas majoritariamente (g.m.) pelos estudantes das próprias escolas, buscam que as ocupações – realizadas majoritariamente pelos estudantes das próprias escolas, daí advindo, basicamente, a revisão contra a qual se insurge o Estado.

E caso se faça pequena regressão, concluir-se-á que o ato contra o qual se rebelam os estudantes (não apenas eles) pode ter pecado por não ter sido previamente submetido à discussão da comunidade, como preconiza o preceito contido no art. 14 da Lei nº 9.394, de 1996, segundo o qual há de ser democrática a gestão do ensino público na educação básica.

Deveras, não se tem notícia de discussão pública sobre matéria que afetará diretamente o cotidiano de milhares de famílias, em sua grande maioria de menor poder aquisitivo, mercê do remanejamento que se pretende impor.

Não é o caso de discutir o mérito do ato, questão alheia ao objeto do recurso. O momento cinge-se, exclusivamente, à aferição da pertinência ou não da tutela provisional pleiteada pelo Estado em busca da desocupação de unidades escolares da Capital.

Descartadas algumas manifestações menos elegantes ouvidas na audiência realizada dia 19 último, o que se constatou foi o envolvimento da comunidade na questão e o propósito dos estudantes (ao menos daqueles cerca de trinta, que, representando seus colegas, por dois momentos reuniram-se em privado com a Defensora Pública Dra. Daniela S. de Albuquerque) em discuti-la com seriedade e uma profundidade mínima; desiderato este que, a uma primeira reflexão, dificilmente seria obtido via da proposta então apresentada pelo Senhor Secretário de Estado da Educação, Prof. Herman Jacobusd C. Voorwald, porquanto apertado o calendário proposto.

Não se antevê, em suma, o animus possidendi ou o animus rem sibi habendi, autorizantes do tratamento possessório da matéria, mas, antes, expressões de desobediência civil frente à autêntica violência cívica de que se consideram vítimas os manifestantes.

Ademais, não apenas não se veem condições para segura desocupação como também se constata a ocorrência de atividades culturais, o que é muito positivo para o debate e para o aperfeiçoamento intelectual da comunidade.

Assim, na busca da conciliação dos relevantes interesses; um o direito fundamental conferido aos jovens à educação; outro o da defesa da forma do exercício desse direito, ainda que visse como solução conciliatória o fim das ocupações, mas sem desmobilização, hoje lobrigo dificuldades práticas em tal, ante a desconfiança dos protagonistas da mobilização que se há de afastar, por palavras e gestos quanto aos propósitos do Executivo na condução do problema. Isso sem cogitar da possibilidade da prática de atos de vandalismo por parte de pessoas com maus propósitos, objetivando desacreditar o movimento de sorte a imputar responsabilidade a, justamente, quem está a velar pela preservação do patrimônio comum. E o noticiário não dá conta da ocorrência de depredações, o que é relevante e saudável.

Vem daí a ideia de manter o statu quo, sem embargo de conclamar os ocupantes a permitir o retorno das atividades docentes em paralelo com sua mobilização e, sobretudo, os interessados em continuar com o diálogo, agora sob a condução da experiente advogada Dra. Márcia Aparecida da Silva, integrante do corpo de conciliadores e mediadores de Segunda Instância, especializanda em Educação que vem se empenhando para o encontro de solução conciliatória.

Ante isso, em suma, denega-se o pedido antecipatório formulado pelo agravante. À contrariedade, ouvindo-se, sucessivamente, agravada, Defensoria Pública e Procuradoria Geral de Justiça. Comunique-se.

COIMBRA SCHMIDT Relator

DECLARAÇÃO DE VOTO VENCEDOR

Trata-se, como se vê, de agravo de instrumento interposto pela Fazenda do Estado de São Paulo em ação de interdito proibitório que promove em face da Apeoesp Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo, insurgindo-se contra a decisão monocrática que reconsiderou a medida liminar de reintegração de posse de Escolas Públicas ,em razão da alegada promoção à “invasão de prédios públicos” e a consequente paralização das atividades de ensino alí desenvolvidas.

Com o recurso objetiva, em síntese, o restabelecimento das reintegração de posse nas Escolas Públicas, assim como a ordem impeditiva de novas invasões.

É o relatório.

Decido.

Nada obstante o voto do Desembargador Relator tenha com o devido critério recolocado a questão nos seus devidos termos, a relevância do tema impõe as considerações que se seguem.

Anoto inicialmente e sem que se queira adiantar provimento de mérito, uma vez que não é disso que se cuida nesse recurso que, a narrativa da peça que o veicula, para além de estar vazada em termos absolutamente preconceituosos contra a entidade que legitimamente representa os professores da rede pública do Estado de São Paulo de modo, a desde logo, por uma retórica agressiva procurar desqualificar o movimento que questiona, procurando obter a providência que almeja, revela, ao fim, a absoluta inadequação da via eleita, qual seja , o interdito proibitório.

Como não há nessa narrativa e nem nos autos qualquer evidência que a entidade sindical queira de modo ilegal apropriar-se dos bens públicos referidos no recurso, têm-se que, como todos reconhecemos durante a sessão de julgamento, a absoluta inadequação da pretendida proteção possessória e, portanto, o tangenciamento da carência da ação por falta de interesse de agir.

Como estamos no espaço da política pública da educação explico pedagogicamente: O movimento de professores e alunos das escolas públicas não tem qualquer intenção explícita ou recôndita de se apossar desses bens públicos.

Como se reconheceu na sessão de julgamento, cuida-se tão somente de um processo reivindicatório legítimo e de discussão de uma específica política pública de educação da qual, aliás, são destinatários primeiros.

Bem por isso, a meu juízo, o manuseio dessa ação com viés possessório é, na verdade, uma falsa questão, a criar ou a pretender criar um falso problema.

Claro que não há dúvida de que todos podem se valer dos mecanismos colocados à disposição no ordenamento jurídico para a proteção de direitos ou de alegados direitos.

Todavia, de um Estado espera-se um compromisso ético para além das meras conveniências ocasionais de seus dirigentes.

Mesmo porque esse Estado está vinculado aos vetores axiológicos da Carta Republicana, dentre os quais destaco, o respeito à dignidade humana, o pluralismo, e à gestão democrática das políticas públicas, no interior de um Estado Democrático e social de direito e de um regime político que se estruturou como democracia participativa.

Bem por isso, soa estranho a retórica do processo e da própria conduta do Estado de São Paulo, a perpetuar, aqui, a dificuldade atávica que o Estado Brasileiro tem ao lidar em momentos sociais, fundados na matriz autoritária da sua gênese.

E, aqui, me refiro, à evidência, não só ao Estado de São Paulo, mas as práticas comuns, nesse aspecto, de todos os entes federativos, vale dizer, União, Estados-Membros e Municípios.

Não se nega ao Poder Executivo o poder-dever de propor e implementar suas políticas públicas e, nem ao menos, a política pública da educação que, agora, tenta concretizar.

Não se pode negar a ela, inclusive, seus eventuais méritos.

A questão é que essa política pública específica que envolve milhares de alunos, professores e pais seja implementada sem o menor respeito à gestão democrática da educação, comando constitucional específico (art. 206, VI, da C.F.).

Uma política pública que envolve mobilidade urbana, implica reorganização das rotinas de muitas famílias e que diz respeito, inclusive, aos afetos legítimos dos alunos com suas escolas, não pode ser implantada a partir de uma matriz burocrática autoritária.

Já tarda a hora em que essas questões possam a ser entendidas e enfrentadas a partir de outros paradigmas, como o respeito à cidadania, às famílias, professores e, sobretudo, aos estudantes das escolas públicas.

E em boa hora o Poder Judiciário vem entender que uma matéria dessa magnitude não pode ser lida com o viés possessório que o recurso pretende lhe impor.

E mesmo, ainda, com a leitura autoritária que o Estado Brasileiro costuma enfrentar as questões sociais.

Em arremate, a questão não pode ser resolvida pela judicialização na via possessória, mas pelos canais institucionais próprios ao diálogo entre as diversas visões do problema, próprios, aliás, daqueles envolvidos na relevante política pública da educação.

Aliás, é preciso ter a coragem de se dizer que o ajuizamento dessa ação, além de sua evidente impropriedade técnica, constitui-se verdadeira irresponsabilidade e irracionalidade, porque não se resolve com repressão um legítimo movimento de professores e alunos, adolescentes na sua expressiva maioria, a merecer a proteção do Estado (art. 205 e 227 da C.F.).

Não vai longe o dia em que a insensibilidade e o autoritarismo dos governantes, a incentivar o excesso de repressão policial, levou o país à perplexidade com os movimentos sociais e junho de 2.013.

Não será, portanto, com essa postura de criminalizar e “Satanizar” os movimentos sociais e reivindicatórios legítimos que o Estado Brasileiro alcançará os valores abrigados na Constituição Federal, a saber, a construção de uma sociedade justa, ética e pluralista, no qual a igualdade entre os homens e a dignidade de todos os cidadãos deixe de ser uma retórica vazia para se concretizar plenamente.

Daí o porquê, pelo meu voto proponho o não conhecimento do Agravo e a extinção de ofício, sem exame do mérito, da ação de interdito possessório, por evidente falta de interesse de agir e, vencido nesse aspecto, indefiro a medida liminar por ausência de seus pressupostos.

MAGALHÃES COELHO Revisor

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