Pronera: Programa que trabalha pela democratização do conhecimento no campo vem formando advogadas e advogados populares pelo Brasil

Assentados da reforma agrária, agricultores familiares e quilombolas podem, pelo Programa, receber a formação para exercício de assessoria jurídica

Foto: Reprodução MST

Por José Odeveza sob supervisão de Lizely Borges

Por meio do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera), jovens e adultos de assentamentos, agricultores familiares e de povos tradicionais têm acesso a cursos de educação básica, técnicos profissionalizantes de nível médio, cursos superiores e de pós-graduação. A formação de pessoas no curso de direito pelo Programa se destaca, principalmente, pela quebra do perfil médio do estudante de direito das universidade federais do Brasil.

Como apenas 29,4% dos jovens de 19 anos no meio rural concluem o Ensino Médio (IBGE), o acesso ao ensino superior nas universidades públicas é restrito a um grupo pequeno. Neste sentido, o desenvolvimento de políticas para acesso de assentados e agricultores familiares à universidade pública, nas diversas carreiras, assume importância.

Formação em Direito

A primeira turma de Direito pelo Pronera teve início em 2007, em parceria do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) com a Universidade Federal de Goiás. A primeira turma, de curso concluído em 2012, formou 57 bacharéis originários de 19 estados brasileiros.

Dentro das carreiras do direito a advocacia popular atua sobre as demandas populares por justiça social. O assessor jurídico da Terra de direitos, Fernando Prioste classifica o Pronera como um importante programa para a construção desses atores dentro da carreira, justamente pelo histórico social e político dos estudantes do programa.

“As turmas do Pronera contribuem de várias formas para a advocacia popular. A mais evidente é a formação de quadros de pessoas capacitadas para o exercício dessa atividade. Que vai desde do ensino formal na Universidade, quanto de uma formação pelo elemento político de compreensão da realidade. Muito baseada na perspectiva freiriana. E tudo isso ajuda a trazer um embate mais geral no campo do Direito crítico, relacionado a formação em Direitos Humanos e a superação do estado de desigualdade” explica o advogado

Acesso e Democratização a partir da realidade do campo

O estudante de Direito do Pronera na Universidade Federal do Paraná (UFPR), Jeferson Pereira, destaca a oportunidade que o Programa trouxe para sua vida e aponta que a democratização do Judiciário tem que começar pelos cursos de direito.

No começo do cursos o estudante sofreu algumas resistências, “mas aos poucos este sentimento foi convertido num mútuo diálogo de construção de identidades coletivas e assim a academia começou a ser pensada a partir dos olhos de outra realidade”, relata o estudante em sua percepção ao Pronera.

Jeferson aponta que o Programa muda a forma de se pensar o direito, desde a sua construção  e  também em sua aplicabilidade diante da realidade social e política do Brasil.

“ O Pronera juntamente com as políticas afirmativas, trazem para a academia a pluralidade e a diversidade que a academia deveria ter em sua essência, possibilita o contato com os atores sociais que muitas vezes são objetos de estudo da própria academia. Neste sentido, os próprios sujeitos constroem seus conhecimentos a partir deles mesmos e das realidades não estudadas, mas vividas” explica Jeferson.

O estudante pretende concluir o curso e seguir na carreira da advocacia popular além da carreira acadêmica.  Segundo Jeferson faltam professores comprometidos com as causas sociais, dificultando ainda mais a formação de futuros profissionais que se identifiquem com as pautas.

“Pretendo, ao terminar o curso, passar no exame da OAB [Ordem dos Advogados do Brasil] e advogar. No entanto, também pretendo me dedicar à academia, seguindo um futuro mestrado e doutorado. A docência no ensino superior é algo que almejo, pois percebo que há poucos professores comprometidos com as causas sociais formando juízes, advogados, promotores que atuaram no campo jurídico” relata o estudante.

Programa de impacto

Além de ajudar a reduzir a carência educacional no campo, o programa na graduação, oportunizou turmas em diversas universidades estaduais e federais. Além das seis turmas de Direito em todo o Brasil, já foram criadas turmas de pedagogia, administração, agronomia, serviço social, história, geografia, agroecologia, zootecnia, letras, enfermagem, ciências sociais e medicina Veterinária.

Pelo menos 49 instituições públicas de ensino superior já abrigaram turmas de educação superior amparadas no programa, em diversas áreas de conhecimento. Segundo o levantamento divulgado pelo Incra, em 20 anos, o programa já formou 187 mil jovens e adultos dos assentamentos e acampamentos rurais reconhecidos pelo Incra, quilombolas e beneficiários do Programa Nacional de Crédito Fundiário (PNFC).

No fim deste ano a Universidade Federal do Paraná (UFPR) realizará a formatura da primeira turma de direito pelo Pronera. Em matéria no site da Universidade o Professor Manoel Caetano Ferreira Filho, que coordena o projeto, destacou que além de diversificar a produção científica no curso, as vivências dos alunos do Pronera contribuem para discussão de temáticas menos abordadas no curso, como Direito Agrário e os direitos sociais e humanos referentes a questões do interior do país, como acesso à alimentação e à moradia.

Desafios da educação no campo e Incra nas mãos dos ruralistas

Apesar de um avanço o Programa ainda não abarca todas as necessidades dos estudantes atendidos. No último censo levantado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, é apontado que são preenchidas apenas 21% das vagas presenciais em programas como o Pronera.

Para o estudante Jefferson, as políticas de permanência na universidade, tais como auxílio moradia e alimentação, são fundamentais para que o assentado siga nos estudos

“O ambiente acadêmico, principalmente do direito ainda é um espaço branco e elitizado, em que pouco se vê rostos pretos e pobres.  Os espaços ainda são forjados para uma parcela que se diz intelectual, branca e que pouco dialoga com as massas. No entanto, é possível ainda se vê uma minoria dentro destes espaços que tenta abrir diálogo com as massas e possibilitar uma maior pluralidade no meio acadêmico, mas ainda é um movimento que precisa ganhar corpo e se consolidar mais” relata Jeferson.

Além da formação o mercado de trabalho também é um problema para os estudantes. O assessor jurídico destaca que não existe dúvida que o perfil do estudante é determinante para a escolha dentro das carreiras jurídicas, mas alerta sobre as dificuldades da profissão dentro do mercado de trabalho.

“Tanto o perfil  social, econômico, quanto racial e de gênero são determinantes para a escolha da carreira a ser seguida. Eu não tenho dúvida que os cursos de direito do Pronera são uma via de entrada para o trabalho na advocacia, especialmente na advocacia popular. No entanto ainda existem outros grandes desafios, o mercado de trabalho para profissionais mesmo formados nas universidades federais, não é tão simples, e a alternativa de seguir trabalhando dentros das organizações do terceiro setor, muitas das vezes carece de suporte aos profissionais” aponta Prioste.

Atualmente o Incra – órgão responsável pelo programa – que após a posse do novo governo passou a integrar o Ministério da Agricultura ainda não apresentou nenhum tipo de mudança para o Pronera. No entanto, a educação no campo, como as escolas do MST já foram ameaçadas pelo governo Bolsonaro.   

 

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