Censo do Judiciário revela: nada mudou

Na manhã desta quinta-feira (13), o CNJ divulgou o censo demográfico da magistratura brasileira. Com poucos avanços, o juiz brasileiro continua sendo homem, branco, casado, católico e pai

Por: José Odeveza, sob supervisão de Maria Mello

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) divulgou pesquisa, nesta quinta (13), que revelou o perfil sociodemográfico da magistratura brasileira: majoritariamente formada por homens, brancos, católicos, casados e com filhos. O trabalho contou com a participação de 11.348 magistrados (62,5%) de um total de 18.168 juízes, desembargadores e ministros dos tribunais superiores. Entre os dados apresentados, números relativos à raça e gênero ainda geram questionamentos sobre a pluralidade de atores dentro do Poder Judiciário.

O censo difere de outras edições e não traz questões subjetivas, mas apenas objetivas relacionadas ao perfil dos magistrados em consonância com suas cidades, estados e regiões.

Poucas mulheres

Apenas 37% dos juízes brasileiros são mulheres, destaca o novo estudo. Se comparado com a última década, o número de mulheres que ingressaram nos tribunais diminuiu, já que, de 41% em 2011, o número de ingressantes mulheres caiu para 37% de 2011 para cá. Para a Advogada popular do Coletivo Margarida Alves Mariana Prandini os motivos para a baixa entrada de mulheres no Judiciário é um ponto a se questionar a partir de um contexto social mais amplo.

“É importante ressaltar o decréscimo do número de ingressantes mulheres dentro do Judiciário, já que os cursos de Direito no Brasil possuem o segundo maior número de mulheres, perdendo apenas para o curso de pedagogia. Os números apresentados preocupam já que, mesmo com mais estudantes mulheres de Direito, eles não refletem nos quadros da Ordem Nacional dos Advogados (OAB) e muito menos nos quadros do Judiciário”, destaca a advogada.

Para Prandini, um dos problemas está na forma de seleção dos magistrados, que atualmente são avaliados por uma prova objetiva.

“Como as provas de concursos são muito extensas e teóricas – o que é um problema, já que, privilegiam uma saber técnico e dogmático e abstraem a conexão com a realidade, outro ponto importante é a divisão social do trabalho, em que as mulheres acabam cumprindo duplas ou triplas jornadas, com suas famílias e seus lares e que certamente pode impedir muitas mulheres de adentrarem nas carreiras da magistratura. No entanto, existe uma série de entraves, que são estruturais da conformação da nossa sociedade, muito atrelado ao processo educacional, que ainda faz com que meninas não ambicionem esses espaços de poder, e o Judiciário é um desses espaços, de poder e prestígio”, aponta Prandini.

Entre os números assustadores em relação à seletividade do processo de entrada das mulheres, está a questão da raça: entre  as poucas que entram, em sua grande maioria são brancas.

Outra questão importante são as carreiras da magistratura, já que, quanto mais alto o cargo, menor o número de mulheres. Um exemplo são os cargos mais altos do Poder, em que apenas 23% das vagas de desembargadores e 16% de ministros dos tribunais superiores são mulheres. O maior número de mulheres se concentra entre juízas substitutas, que representam 44%. A advogada explica que o processo de avaliação de produtividade dos juízes é pouco transparente e que as escolhas podem ser tomadas politicamente.

“Esses processos internos para outros cargos são bem mais obscuros, e muitas das vezes mais políticos, visto que os critérios não são muito claros. Nesses processos é observada a necessidade de os cargos serem preenchidos por estereótipos masculinos. Mas o que vem a ser um bom juiz? Ou um bom julgador?  Dessa forma você cria a necessidade de que as mulheres se assemelhem a esses estereótipos, e serem julgadas de pouco femininas, e se elas se distanciam desses estereótipos acabam sendo acusadas de ‘muito femininas’ e que por isso não são capazes de cumprir determinadas funções e requerimentos”.

Segundo Prandini, o aumento da diversidade de atores tende a elevar progressivamente o nível das discussões a partir das diferentes realidades envolvidas.

“Não necessariamente uma justiça só de mulheres seria a justiça mais justa, eu não acredito que o gênero interfira nessa questão. Meu argumento é da perspectiva social, que é, de sujeitos com marcadores sociais distintos, que não se aplica só as mulheres, mas também a negros, indígenas e de toda a diversidade que compõe a sociedade. Esses marcadores faz com que as pessoas tenham experiências diferentes de vida, diferentes trajetórias. Essas diferentes experiências trazem outras perspectivas sociais para o individuo. O importante é que essas diferentes perspectivas e visões sociais estejam representadas nos espaços de poder. A ideia de perspectiva social traz essa noção que é preciso que essa diversidade que compõem a sociedade esteja refletida dentro dos outros espaços. Para que as disputas que acontecem na sociedade, os embates, as diferentes narrativas, ideias, valores também sejam representados no âmbito dos poderes” finaliza a advogada.

Judiciário sem negros e indígenas

No censo 2018, a maioria dos entrevistados se declarou branca (80,3%), apenas 18% negra (16,5% pardas e 1,6% pretas) e 1,6% de origem asiática. Apenas 11 magistrados se declararam indígenas. Em comparação ao ingresso a partir de 2011, 76% se declararam brancos. Segundo a advogada e presidenta do Instituto da Mulher Negra – Geledés, Maria Sylvia, mesmo com a existência de ações afirmativas, os números ainda refletem a estrutura racista da sociedade brasileira.

“Esses números são reflexos do racismo estrutural, que impede que negros e negras estejam em espaços de decisão, de mando, e o sistema de Justiça é um deles, ou seja, esse sistema racista em que vivemos está nos dizendo todos os dias que estes espaços não são para nós.  O sistema de cotas para as Universidade e a adoção para os concursos públicos da magistratura tendem a possibilitar uma melhora nesses índices, mas não livrará os negros e negras que alcançarem estes espaços do racismo institucional, as micro-violências cotidianas, fruto da atuação individual dos agentes destas  instituições”, aponta Maria Sylvia. “Quando verificamos os números de encarceramento percebemos uma sobrerepresentação de negros e negras nas prisões deste país, nos últimos 16 anos o encarceramento de mulheres no Brasil cresceu 698% desse total  62% são negras. Dos 726 mil detentos, 64% são negros. Isso explica onde estão negros e negras no Sistema de Justiça”, explica a advogada do Geledés.

Filho de Juiz, Juiz é:

No censo, chama também a atenção o fato de 33% dos juízes afirmarem possuir pais dentro da magistratura. No geral, 1.887 magistrados declararam ter familiares como juízes. A atual estrutura e segmentação do Judiciário brasileiro privilegia determinados atores, tanto em questões sociais quanto raciais para sua composição, indo em direção contrária à sua democratização.

Acesse aqui o censo do CNJ :Perfil Sociodemográfico dos Magistrados Brasileiros 2018 

 

 

 

 

 

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